19/06/2025 às 20:32 Clínica Contemporânea Psicanálise

O sujeito atravessado pela história: uma leitura geracional na psicanálise

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Por Ariane Salomão |

Cara(o) psicanalista, se não está olhando para estudos geracionais, então estimo que esteja perdendo informações riquíssimas sobre o sujeito de sua época. E não digo sobre o sujeito de 2025, mas o sujeito que nasce em outras épocas e que, a partir delas, é parte de estudos sociológicos que definem grupos de pessoas que compartilham experiências culturais, sociais e históricas semelhantes, influenciadas por processos de globalização.

Neste artigo, apresentarei a você as gerações em foco — melhor dizendo, vivas —, que são as gerações Baby Boomers, X, Y, Z e Alfa, destacando os eventos marcantes que moldaram cada uma e acrescentando um sujeito que permeia entre todas as gerações e não se define por recorte, mas por identidade. Vou guardar seu nome por enquanto.

Recortes geracionais

Os recortes geracionais precisam de contexto social, político e econômico. Para entendermos o sujeito de sua época, precisamos também entender sua época, pois não é porque ele está em 2025 que ele reside em 2025. Parece confuso, mas pense na época em que ele foi estruturado e em como os acontecimentos moldaram sua visão de mundo. Fica mais fácil compreender este ponto pensando desta forma, visto que muitas vezes nos depararemos na clínica com sujeitos que “residem mentalmente” em épocas anteriores a que está hoje, porque foi lá que sua visão de mundo se estruturou e permaneceu (como sintoma).

No entanto, compreender o mundo pode ser muito distante. Por isso, não deixe de entender o lugar, ou seja, estudar recortes geracionais do país residente, para que veja os acontecimentos que influenciaram o grupo geracional ao qual seu analisante faz parte — lembrando que tais fatos não são determinísticos e servem para estudos de compreensão de caso e época.

As gerações que temos hoje são: 

  • BABY BOOMERS: NASCIDOS ENTRE 1946 E 1964
  • GERAÇÃO X: NASCIDOS ENTRE 1965 E 1980
  • GERAÇÃO Y: NASCIDOS ENTRE 1981 E 1996
  • GERAÇÃO Z: NASCIDOS ENTRE 1997 E 2012
  • GERAÇÃO ALPHA: NASCIDOS A PARTIR DE 2012

Mapa de acontecimentos globais de capa recorte geracional

Imagem: cnss.gov.lb

Principais Características de cada geração:

Baby Boomers

Filhos do pós-guerra, nasceram sob o signo da reconstrução. São marcados por valores como disciplina, lealdade e senso de dever. Cresceram em uma cultura que valorizava a estabilidade e o esforço contínuo, o que muitas vezes implicava silenciar angústias em nome de um ideal coletivo.

Geração X

Vivenciaram a transição entre regimes autoritários e a retomada democrática, entre a escassez econômica e o início da abertura cultural. Aprenderam a se virar, a serem autônomos, e buscam, até hoje, um equilíbrio entre as exigências externas e os afetos mais íntimos.

Geração Y – Millennials 

Cresceram com o mundo digital se expandindo diante de seus olhos. São mais propensos a falar de si, a reivindicar propósito e conexão. Vivem entre o excesso de possibilidades e a angústia do desempenho — e muitas vezes adoecem tentando sustentar um “eu ideal” fabricado em série.

Geração Z 

Nativos digitais. Seus vínculos são mediados pela tela, mas não menos reais. Buscam significado e autenticidade, mesmo que às vezes com pressa. São sensíveis ao mundo e suas urgências, e não raro se angustiam diante da velocidade com que tudo (inclusive o outro) pode desaparecer.

Geração Alfa

A infância da Geração Alfa acontece em um tempo onde o toque é substituído por interfaces. Conectados desde os primeiros anos, são curiosos e adaptáveis, mas também expostos a estímulos que exigem um trabalho subjetivo ainda desconhecido. Como irão se constituir? Ainda estamos escrevendo essa história — com eles.

Perennials, a geração atemporal

Como mencionei no início do artigo, há um sujeito que permeia entre todas as gerações, pois se define por identidade. Seu nome, Perennials (ou geração perene), simboliza aquilo que permanece, segundo a Oxford Languages:

Perene é adjetivo de dois gêneros, que traz siginicados de:

  • 1. que permanece durante longo tempo; perenal.
  • 2. que é eterno, perpétuo; perenal.
  • 3. que não sofre interrupção; contínuo, perenal.

Origem

⊙ ETIM(1589) lat . perennis,e 'que dura, sólido, durável, duradouro'

Estes sujeitos surgiram para encontrarem similaridades entre pessoas, a despeito de sua idade cronológica. A vida não é uma linha reta fechada, sem variações, na qual se está fatalmente condenado a viver sob uma determinada condição devido à idade. (Walter Longo, 2019, p. 317). Os Perennials já estão presentes na sociedade e em nossas clínicas, são pessoas que não se delimitam, se identificam, e:

  • Representam 17% da população brasileira;
  • Estão em classes mais favorecidas (A, B e C);
  • Têm interesse em tecnologia, livros, games e cinema;
  • Podem ser de qualquer geração;
  • Foco endógeno: realização de suas vontades, não se importam com opiniões de terceiros;
  • A cronologia cede espaço à identidade social.

Sua aparição é uma resposta aos processos de globalização econômica, social e política. Para eles, idade não é referência de propósito de vida. Se observarmos bem, seu surgimento se contextualiza com a definição de envelhecimento que a OMS (Organização Mundial da Saúde) traz para nós:

A idade avançada frequentemente envolve mudanças significativas além das perdas biológicas. Essas mudanças incluem mudanças nos papéis e posições sociais, bem como na necessidade de lidar com perdas de relações próximas. Em resposta, os adultos mais velhos tendem a selecionar metas e atividades em menor número, porém mais significativas, otimizar suas capacidades existentes, por meio de práticas e novas tecnologias, bem como compensar as perdas de algumas habilidades encontrando outras maneiras de realizar tarefas.

Os objetivos, as prioridades motivacionais e as preferências também parecem mudar. Embora algumas dessas mudanças possam ser guiadas por uma adaptação à perda, outras refletem o desenvolvimento psicológico contínuo na idade mais avançada, que pode ser associado ao ‘desenvolvimento de novos papéis, pontos de vista e muitos contextos sociais inter-relacionados’. Essas mudanças psicossociais podem explicar por que, em muitos cenários, a idade avançada pode ser um período de bem-estar subjetivo maior

Organização Mundial da Saúde, 2015, P.12

Falar sobre gerações é falar sobre clínica contemporânea. Porém, não é falar somente sobre idade ou tecnologias, mas também sobre como o meio social e político afetam a sociedade e o sujeito. Quando olhamos para recortes geracionais, não estamos colocando-os em caixas, e sim buscando compreensão sobre a época em que o sujeito cresceu, brincou, se estruturou — e como tudo isso moldou sua visão de mundo.

Porque enxergar a época não é datar o analisante à nossa época, mas saber de onde ele veio, como o hoje impacta sua estrutura e o seu sintoma, e como ele vai continuar se reinventando em uma nova data da vida, em uma nova era. A cada etapa de nosso desenvolvimento, adequamo-nos ao contexto no qual estamos inseridos. Somos levados a nos comportar de maneira correta ao tempo em questão. (Walter Longo, 2019, p. 315)

BIBLIOGRAFIA

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Resumo: Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Genebra: OMS, 2015. 

LONGO, Walter. O fim da Idade Média e o Início da Idade Mídia: como a tecnologia e inovação estimulam a meritocracia e a valorização do indivíduo nas empresas e na sociedade. São Paulo: Alta Books, 2019. 

Conheça a Ariane através do seu Instagram @arianesalomao.psicanalista

Imagem capa: Freepik

19 Jun 2025

O sujeito atravessado pela história: uma leitura geracional na psicanálise

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