O início do tratamento

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Por Vaneska Cavalcante |

O início de um tratamento psicanalítico é uma etapa crucial no processo terapêutico. É nesse momento que pilares como a associação livre, a transferência e a resistência ganham vida e assumem papéis fundamentais na prática clínica, até mesmo na contemporaneidade. 

Mas será que as orientações de Freud, escritas em 1913, ainda são aplicáveis hoje? 

A proposta aqui é explorar essas bases da psicanálise e entender como elas dialogam com a prática clínica atual. Freud, em seu texto "O Início do Tratamento", nos deixa um legado teórico importante não só para quem estuda ou pratica psicanálise, mas também para quem busca compreender melhor os alicerces dessa abordagem. Revisitá-lo é um exercício de leitura crítica e reflexão sobre como aplicar essas ideias em um mundo tão diferente daquele em que foram concebidas.

Freud escrevia em um período de grandes transformações culturais e científicas. A Europa estava à beira da Primeira Guerra Mundial, e áreas como psicologia e ciências humanas desafiavam modelos tradicionais de ciência. Era também um momento de expansão da psicanálise, que destacava o inconsciente e a sexualidade como temas centrais – algo revolucionário para a época. Em 1913, Freud já havia publicado obras marcantes como A Interpretação dos Sonhos (1900) e Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905). Seu trabalho estava focado em consolidar a psicanálise como ciência, enfrentando tanto críticas quanto isolamento. Nesse contexto, conceitos como transferência e resistência, que permeiam o texto "O Início do Tratamento", começaram a tomar forma.

Suas orientações indicam que, nos primeiros momentos da análise, não importa como o paciente escolhe começar. Muitos chegam com roteiros prontos: querem narrar sua história cronologicamente ou focar em algo que julgam relevante. O papel do analista, segundo Freud, é apresentar a regra fundamental: "fale tudo o que vier à mente, sem filtros". Hoje, essa abordagem pode ser adaptada. Não é mais necessário formalizar essa regra de maneira tão direta. Explica-se apenas que não há roteiro certo ou errado, que o espaço é livre e sem censuras. Isso facilita a conexão do paciente com seus próprios conteúdos, mesmo que inicialmente ele se sinta perdido.

Freud também alertava que, com o tempo, o inconsciente se manifesta de formas mais sutis, muitas vezes por meio de resistências: silêncios, desviações ou discursos ensaiados. Nesse ponto, o analista precisa manejar essas dinâmicas, ajudando o paciente a voltar ao fluxo da associação livre, sem seguir os “roteiros prontos”. Esse equilíbrio entre liberdade e manejo cuidadoso é uma arte que continua essencial para a psicanálise contemporânea.

A transferência é um dos aspectos mais complexos e fascinantes da psicanálise. Trata-se da projeção de sentimentos e experiências passadas no analista, um mecanismo indispensável para o trabalho terapêutico. Porém, Freud enfatizava que essa transferência deve ser nomeada e trabalhada apenas quando se transforma em resistência – ou seja, quando impede o progresso da análise. Na prática atual, isso exige do analista uma escuta ainda mais atenta. Resistências podem ser diretas ou disfarçadas, demandando intervenções sutis. É por isso que o estudo contínuo e a supervisão clínica são indispensáveis para quem se dedica a essa prática.

Embora o mundo tenha mudado drasticamente desde a época de Freud, os conceitos tratados no aqui continuam sendo pilares da psicanálise. No entanto, sua aplicação exige adaptações às realidades atuais. Por exemplo, a associação livre, enquanto princípio fundamental, mantém o foco na liberdade do analisante, mas o analista precisa estar mais preparado para manejar resistências e temas que surgem em contextos culturais, sociais e tecnológicos muito diferentes daqueles de 1913. Revisitar textos como "O Início do Tratamento" nos lembra que a psicanálise é uma ciência viva, aberta à transformação. A herança freudiana não é um manual rígido, mas uma base sólida para reflexão e adaptação, garantindo sua relevância em tempos e contextos diversos.

As orientações de Freud são, sim, aplicáveis hoje, desde que revisadas e ajustadas para atender às demandas do nosso tempo. Mais do que uma simples reprodução de ideias, a psicanálise contemporânea precisa reinterpretar esses fundamentos para oferecer um espaço de liberdade e acolhimento, onde analisante e analista possam juntos explorar o inconsciente. Assim, o legado de Freud segue sendo não apenas uma referência teórica, mas uma prática viva e pulsante.

Bibliografia

Texto produzido no Grupo de Estudos Sociedade de Terças, Turma I

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01 Mai 2025

O início do tratamento

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