Transferência, em análise, é o que vai para além do que a palavra é capaz de suportar

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Por Tata Pereira |

Até o dado momento da escrita do texto que norteia as implicações deste artigo, Freud havia tão somente feito apontamentos sugestivos para a práxis (prática e teoria) psicanalítica que ali estava sendo construída. E justamente aqui nos deparamos com um momento não mais apenas sugestivo, mas de notória imposição de argumento quando do âmbito da transferência e, mais precisamente, de um rapport (relação de confiança e empatia) apropriado, que Freud designa como imprescindível para a constituição produtiva da relação do analista com o paciente.

O renomado psicanalista aqui aposta que é necessário investimento de tempo na constituição da relação transferencial para que se eliminem as resistências que surgem durante o tratamento. 

Tempo, aqui, recebe valoração, como investimento. Investem tempo no estabelecimento da relação tanto analisante quanto analista, em uma troca: há uma relação de perdas e ganhos, primários e secundários, que vão permear a psique de ambos no estabelecimento da relação de transferência dentro do setting analítico. Não será tema deste presente artigo discorrer acerca das questões econômicas do masoquismo que Freud abordaria apenas 11 anos depois em seus textos, mas trazer o exposto para tentar responder à pergunta que me deparo no estudo do texto “O Início do Tratamento”: não seria esse investimento de tempo também um investimento na própria resistência, a julgar-se pelo ganho secundário que dela advém?

Freud elabora no texto uma concepção de que o analista que tenha algum contato com a prática clínica não terá dificuldades ao perceber os desejos do analisante que permeiam seu discurso, mas que por um cuidado de manejo a fim de se evitar a resistência e dar sequência ao tratamento, a comunicação deste achado ao analisante deve ser evitada até que este esteja próximo o suficiente da descoberta dela por si mesmo, sendo assim apenas uma intervenção e não uma interpretação sugestiva ao analisante. Se a resistência é subterfúgio do inconsciente para negar o enfrentamento com o real, ao escancarar à força ao analisando, estaremos reforçando o comportamento e aumentando ainda mais a força deste mecanismo. Portanto, a intervenção do analista em setting requer também uma avaliação ética sobre seus próprios movimentos contra-transferenciais. Uma intervenção que advenha de um movimento contra-transferencial levará o analisante a demandar mais tempo para que o tratamento decorra. 

Esse movimento de contra-transferência acontecerá como parte constituinte da relação de transferência no setting, uma vez que o analista não se abstém de todo do atravessamento, mas sim, se coloca em posição de imparcialidade (muito mais que neutralidade) diante do relato de seu analisante. A relação transferencial na psicanálise, muito mais que um amor pela verdade, é de não-julgamento e liberdade do analisante, que tem no setting um espaço para suas próprias elaborações. Não tem a ver com acertar ou errar uma aposta que nós analistas possamos ter, vai para além do que o sujeito é capaz de suportar dentro de suas próprias concepções, vivências e falas e/ou elaborações, dentro e fora de setting

No ímpeto de interpretar selvagemente, o movimento do analista pode levar a uma maior resistência do analisante, comprometendo o desenvolvimento do tratamento. Isso deve ser observado e, não à toa, a supervisão clínica se faz necessária ao analista. Por meio dela, também é possível identificar o porquê de, inconscientemente, estar contribuindo para a falência do tratamento e vínculo terapêuticos, ou quaisquer outros mecanismos de defesa, a que o analista está igualmente exposto, até mesmo qualquer sentimento que advenha da possibilidade da perda do analisante dada por um iminente fim de tratamento.

O que aqui desenvolvo como ideia está calçado fortemente no campo da moral e da ética do analista para suportar o tratamento analítico. Mesmo que se saiba algo sobre o analisante, contribui mais para o percurso analítico deste se destituir gradativamente da posição de sujeito suposto saber que ocupamos no ínicio do tratamento. Transferência, em análise, é o que vai para além do que a palavra é capaz de suportar. Mais importante que a própria transferência estabelecida em setting, será o manejo clínico dela neste espaço para a construção da autonomia do analisante. 

Em suma, é possível que o ganho secundário aqui não esteja necessariamente implicado na figura do analisante, mas sim do analista. Na relação terapêutica, o inconsciente movimento de tentar responder às demandas do analisante, mais do que acolher, e a implicação ou não do analista com sua própria análise pessoal e supervisão clínica, me levam a inferir que na relação ética que Freud propõe entre analisante e analista, o possível ganho secundário advindo da resistência pode ser observado ao se ignorar a práxis proposta, de dar tempo para que a transferência e elaboração ocorra. É de responsabilidade do analista também estar implicado em suas próprias elaborações para que, identificada a contra-transferência em setting, ela não seja prejudicial para a escuta flutuante e sequência do tratamento e que, de toda forma, o ganho que possa haver nesse contexto e qualquer anseio por um objetivo seja igualmente elaborado. 

Bibliografia

Texto produzido no Grupo de Estudos Sociedade de Terças, Turma I

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24 Abr 2025

Transferência, em análise, é o que vai para além do que a palavra é capaz de suportar

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