25/05/2025 às 21:22 Artigo Acadêmico

Afinal, Podemos Unificar a Psicologia? Reflexões sobre o Desenvolvimento Humano

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Por Ariane Salomão |

Será explorado o Desenvolvimento Humano, com base nos conteúdos apresentados na Unidade 1, ministrada pela Prof. Ma. Mariana Gentili. Através de diferentes materiais, o texto reflete sobre os diversos modelos de pesquisa e a forma como o desenvolvimento humano é compreendido.

Serão discutidos aspectos como a influência dos privilégios no processo de desenvolvimento, as diferentes fases que o ser humano atravessa e as implicações da unificação da psicologia, questionando a aplicabilidade de uma abordagem única. O artigo também destaca a importância da ética em pesquisa, assegurando os direitos e o bem-estar dos indivíduos envolvidos.

Por fim, será levantada a questão de que o desenvolvimento humano deve ser entendido em sua singularidade, considerando o contexto social e ambiental, em vez de ser reduzido a uma visão universal e padronizada.

2.1 Introdução da Unidade 1

Nesta primeira unidade, é apresentado como o Desenvolvimento Humano surgiu e se consolidou como uma área científica, suas discussões mais latentes e os autores que contribuíram para sua construção, sendo o seu período formativo compreendido entre 1882 e 1912.

Nesse intervalo, ocorreram grandes marcos, como a criação do Child Research Institute at Clark, fundado por Stanley Hall em 1891. Foi também nesse período que as fases do Desenvolvimento Humano começaram a ser delimitadas, sendo o processo dividido em quatro fases, das quais a quarta se estende de 1990 até os dias atuais.

Alguns teóricos ajudaram a consolidar o Desenvolvimento Humano, como o já citado Granville Stanley Hall, influenciado pela teoria da evolução de Darwin, determinou que o desenvolvimento humano ocorre a partir de aspectos inatos e biológicos, considerando que todas as crianças percorrem as mesmas fases e compartilham características similares.

Já John Watson, um dos criadores do Behaviorismo, concebe o Desenvolvimento Humano como um processo que vai além das questões biológicas, destacando as fortes influências sociais e ambientais, que estão em constante evolução e mudança.

Inicialmente, a ênfase permaneceu no desenvolvimento infantil, com pesquisadores e autores como Jean Piaget e Lev Vygotsky. Durante o século XX outras abordagens surgiram e se consolidaram, trazendo mais discussões ao tema e gerando conflitos teóricos acerca do que, de fato, seria o Desenvolvimento Humano produzindo questões como: há uma forma de haver uma resposta unificada, frente a tantas teorias e formas de enxergar o sujeito?

Nas apresentadas nesta primeira unidade de estudos, é possível compreender que:

  • Na psicanálise, Sigmund Freud trata o Desenvolvimento Humano como um processo conduzido por conteúdos conscientes e inconscientes, o mesmo sendo divido em 5 fases ao longo da vida.
  • Na abordagem cognitiva, Jean Piaget diz que há a centralização no desenvolvimento cognitivo da criança, ressaltando a importância do ambiente, mantendo a mesma lógica cognitiva em casa fase que o teórico divide em quatro estágios.
  • Na abordagem histórico-cultural, Lev Vigotski defende que o processo ocorre a partir da interação entre as bases biológicas e a mediação da cultura, superando a condição inata e biológica, e que, em caso de alguma deficiência, o ser humano desenvolve um mecanismo de compensação.

Embora exista a discussão sobre a unificação, podemos perceber, a partir do resumo acima, que todas as abordagens contribuíram para o desenvolvimento da área, trazendo diferentes visões sobre o sujeito e ampliando as discussões.

No entanto, não podemos ignorar a dificuldade em conceituar o desenvolvimento humano de forma única e definitiva. Afinal, nos desenvolvemos de maneira igualitária? O ser humano possui as mesmas oportunidades e privilégios ao longo da vida? E, se há privilégios, eles seguem uma linha determinística ou não, independente da variedade de aspectos?

É possível compreender que a teoria precisou adotar uma ampla perspectiva, pois, somente um campo de estudos não é capaz de compreender a grande variedade de contextos, assim como cita Maria Auxiliadora Dessen e Miriam Teresa Domingues Guedea no artigo “A ciência do desenvolvimento humano: ajustando o foco de análise”:

Para compreender a complexidade do desenvolvimento humano é necessário adotar uma perspectiva sistêmica que seja capaz de integrar os múltiplos subsistemas do indivíduo. Isto requer a contribuição de diferentes disciplinas, tais como, a biologia e a psicologia do desenvolvimento, a fisiologia, a neuropsicologia, a psicologia social, a sociologia e a antropologia.

DESSEN E GUEDEA, 2005.

Historicamente, como visto acima, o Desenvolvimento Humano tinha como objeto o desenvolvimento de crianças — isso continua atualmente?

Foi apenas no final do século XIX e início do século XX que a adolescência começou a ser estudada como uma fase distinta do desenvolvimento humano. Antes disso, especialmente em sociedades pré-industriais, jovens passavam diretamente da infância para a vida adulta sem um período intermediário claramente definido.

Nesse mesmo contexto histórico, a psicologia emerge como um campo de conhecimento voltado à compreensão do indivíduo, buscando responder às demandas decorrentes das transformações sociais em curso. Inicialmente, esta disciplina foi mobilizada para auxiliar na manutenção da ordem social, com o propósito de ajustar os indivíduos às exigências impostas pelos diferentes âmbitos da vida em sociedade — social, familiar e profissional.

Com o avanço dos estudos, a adolescência passou a ser analisada de forma mais sistemática, e o processo de desenvolvimento humano foi organizado em fases pelo psicólogo Jean Piaget, sendo a adolescência compreendida como parte do estágio da terceira infância, em que ocorrem importantes transformações cognitivas e afetivas.

Figura 1 – Estágio dos Desenvolvimento Cognitivo segundo Piaget

Fonte: Site Passei Direto, 2024.

No entanto, cabe questionar: essa função da psicologia permanece vigente ou, atualmente, a disciplina tem se afastado de uma perspectiva centrada exclusivamente na adaptação à ordem social?

Além disso, podemos usar as definições criadas como algo fixo para todos os sujeitos ou pode-se entender que oportunidades, ambientes e cultura influenciam no desenvolvimento, sendo a tabela somente um referencial e não um padrão?

Tais reflexões podem ser observadas no campo do desenvolvimento humano, onde diferentes abordagens discutem estas e outras questões.

Para que os estágios fossem definidos, compreendidos e descritos, foi necessário um longo processo de observação e investigação da infância, sendo a pesquisa o elemento fundamental para a construção e validação dessas etapas do desenvolvimento humano.

2.1.1 O Desenvolvimento Humano e Pesquisa

No âmbito da pesquisa científica em desenvolvimento humano, destacam-se dois importantes teóricos: John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ambos contribuíram com reflexões que suscitaram questionamentos e problemáticas relevantes para sua época, marcada por profundas transformações sociais, políticas e intelectuais.

Para Locke, o desenvolvimento humano é fortemente condicionado pelas circunstâncias sociais e pelo ambiente em que o indivíduo está inserido. Já Rousseau defendia que o ser humano nasce com tendências e potencialidades inerentes, sendo naturalmente bom e corrompido pela sociedade e suas imposições.

Segundo Rousseau:

É preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade: os que quiserem tratar separadamente da política e da moral nunca entenderão nada de nenhuma das duas.

ROUSSEAU, 1995, P.309.

A partir dessas concepções, delineiam-se duas grandes perspectivas teóricas que orientam a pesquisa em desenvolvimento humano:

  • A abordagem mecanicista, que considera o ser humano como um organismo passivo, moldado pelas influências ambientais e estímulos externos.
  • A abordagem organicista, que concebe o desenvolvimento como um processo ativo, impulsionado por forças internas e pela predisposição do próprio indivíduo.

Para que sua validação ocorresse, foram utilizadas a construção quantitativa, qualitativa e mista, seguindo as etapas de pesquisa:

  • Identificação do problema
  • Formulação de hipóteses
  • Coleta de dados
  • Análise e organização de dados
  • Formulação de conclusões provisórias
  • Divulgação de resultados

Em aula ministrada pela Prof. Ma. Mariana Gentili, foi possível ter contato com o processo de pesquisa científica e com a forma como ela é amplamente utilizada no desenvolvimento humano, entendido como um processo contínuo, porém distinto para cada indivíduo.

Por esse motivo, são aplicadas diferentes metodologias de coleta de dados, como: autorrelatos, entrevistas semiestruturadas, estruturadas e não estruturadas, aplicação de questionários, observação naturalística e sistematizada. Também podem ser utilizados estudos de caso, pesquisas etnográficas, estudos correlacionais e experimentos.

Através de variados modelos, é possível compreender que existem também diferentes formas de ser humano em uma sociedade. Que um mesmo grupo terá vivências e privilégios distintos e, para isso, é necessário um processo que delimite a pesquisa, garantindo sua validade e sua contribuição para diferentes áreas do conhecimento.

Com uma responsabilidade tão grande, surge também a ética em pesquisa, que assegura que a pessoa analisada tenha seus direitos, dignidade e bem-estar protegidos em todas as etapas do processo investigativo.

3. Reflexões e Problematizações

Com as aulas e materiais da Unidade 1, foi possível refletir sobre diversos aspectos do Desenvolvimento Humano. Um deles, em especial, me marcou: a professora propôs a atividade da "caminhada do privilégio", um exercício simples em que damos passos à frente ou permanecemos no lugar conforme respondemos "sim" ou "não" às perguntas feitas.

Essa vivência me levou a questionar até que ponto os privilégios seguem uma linha contínua que garante ao sujeito benefícios em todo o seu desenvolvimento, ou se podem ocorrer apenas em determinados momentos, proporcionando vantagens pontuais, sem assegurar que esses benefícios se estendam ao longo de toda a vida.

A partir disso, é possível levantar questões relacionadas ao que foi discutido neste artigo: até que ponto o desenvolvimento de uma pessoa deve ser pautado por definições generalistas ou se, ao contrário, deve ser analisado considerando a subjetividade do sujeito, bem como o contexto social e ambiental no qual está inserido.

Essa reflexão também nos conduz ao debate sobre o paradigma que questiona se a psicologia deveria ser unificada. Contudo, não seria essa tentativa de unificação uma forma de enquadrar todos os sujeitos em uma única estrutura, desconsiderando que nenhuma abordagem é, de fato, universal?

Há muitas problematizações e discussões que podem ser extraídas deste e de outros textos. No entanto, não podemos nos esquecer de que, ao final de tudo, o foco deve estar nos nossos objetos de estudo e nas perguntas que norteiam nossas pesquisas.

Não é possível reduzir toda a complexidade de uma sociedade a um único modelo teórico, mas podemos utilizar referenciais que nos orientem, sem jamais renunciar à ética em nosso trabalho. Afinal, além de profissionais da psicologia, somos também parte desse processo, com nossas próprias singularidades.

4. Conclusão

Chegar a conclusões únicas seria como tentar fazer com que todos compartilhassem a mesma visão de mundo.

Acredito que a Psicologia do Desenvolvimento contribui de forma significativa para que pessoas e grupos sociais sejam estudados de maneira ampla, possibilitando que tenham mais oportunidades e ampliem suas perspectivas.

Com o estudo desta primeira unidade, foi possível adotar um olhar mais crítico diante dos problemas que enfrentamos em nossa sociedade e compreender que, embora jamais consigamos solucionar todas as questões que surgem, podemos, sim, contribuir de maneira relevante para o meio em que estamos inseridos e para os grupos aos quais pertencemos.

Afinal, seria humanamente impossível dar conta de todas as problemáticas existentes e entendê-las em suas singularidades.

Essa reflexão já nos permite responder à questão sobre a unificação da psicologia: se não é possível solucionar todas as questões com uma única abordagem, como poderíamos esperar uma só resposta para todas elas?

Buscar essa unificação seria um movimento reducionista, que desconsideraria contextos e singularidades, além de flertar com uma postura arrogante e narcisista, apagando as diversas realidades e subjetividades que compõem o ser humano.

BIBLIOGRAFIA

DESSEN, Maria Auxiliadora ; GUEDEA, Miriam Teresa Domingues. A ciência do desenvolvimento humano: ajustando o foco de análise. Paidéia (Ribeirão Preto), 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/paideia/a/H5shtpJhvBnwqW9cztNy5QJ/?format=html&lang=pt#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20Desenvolvimento%20Humano,nortear%20as%20pesquisas%20nesta%20%C3%A1rea. Acesso em: 13 mar. 2025.

ARAÚJO, Sarah da Silva; PAIVA Wilson Alves. Locke e Rousseau: aproximações e divergências quanto ao desenvolvimento da razão. Revista Plurais, Virtual Anapólis, 2024. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revistapluraisvirtual/article/view/16076/11054. Acesso em: 13 mar. 2025.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Artigo reestruturado para mídia online com a finalidade de conforto de leitura, sem apagar a estrutura textual e linguagem original.

Originalmente escrito para entrega à Ma. Profª. Mariana P. Gentilli para fins de pontuação na matéria de Desenvolvimento Humano I.

Conheça a Ariane através do seu Instagram @arianesalomao.psicanalista


25 Mai 2025

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