25/05/2025 às 21:21 Artigo Acadêmico

O Sujeito Construtor do Conhecimento: Jean Piaget e o Desenvolvimento Cognitivo

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Por Ariane Salomão |

A busca pelo entendimento de como o ser humano adquire conhecimento atravessa a história da filosofia, da educação e da psicologia. Jean Piaget, ao propor a epistemologia genética, inaugura um novo modo de compreender a construção do conhecimento: como um processo ativo, em que a criança interage com o meio e, por meio de sucessivas acomodações e assimilações, transforma suas estruturas cognitivas.

Diferente de abordagens que enxergam a criança como receptáculo de informações, Piaget a reconhece como sujeito de ação, investigando como ela pensa, percebe e interpreta o mundo em cada fase do desenvolvimento. O autor, sendo um investigador da natureza, percebe ao longo da carreira que as respostas incorretas das crianças, em testes de inteligências, respondiam mais que as corretas, sendo essa uma importante revelação sobre como as crianças se desenvolvem ao longo da vida e como as etapas deste desenvolvimento surgem (Ruíz, 2024).

Partindo dessa perspectiva, serão analisados os principais conceitos desenvolvidos por Piaget, com foco na formação de noções fundamentais como permanência do objeto, causalidade, tempo e espaço. Tais conceitos, estruturantes da inteligência humana, são aqui abordados a partir de uma leitura reflexiva e sensível, valorizando tanto a teoria quanto sua aplicação nos contextos educacionais e de desenvolvimento humano.

A Epistemologia Genética e o Sujeito Construtor do Conhecimento

A epistemologia genética proposta por Piaget busca compreender como o conhecimento se forma, considerando a interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Para ele, aprender não é uma simples internalização de conteúdos prontos, mas um processo de construção progressiva, que respeita o ritmo e a estrutura cognitiva do indivíduo em cada estágio do desenvolvimento.

Nesse processo, dois mecanismos são fundamentais: a assimilação, que é a incorporação de novos elementos aos esquemas já existentes, e a acomodação, que é a modificação dos esquemas frente a novas experiências. A equilibração entre esses dois processos garante a adaptação e o desenvolvimento cognitivo. Para Piaget:

(...) o conhecimento repousa em todos os níveis sobre a interação entre o sujeito e os objetos, (...) mesmo quando o conhecimento toma o sujeito como objeto, há construções de interações entre o sujeito-que-conhece e o sujeito-conhecido.

Piaget, 1967, p. 590, tradução dos autores

Portanto, o conhecimento é resultado de uma construção ativa, em que o sujeito age sobre o objeto e, ao mesmo tempo, se transforma por ele. Essa visão humanizada da cognição rompe com perspectivas mecanicistas e propõe um olhar mais sensível e atento ao percurso do pensar infantil.

Este olhar é de extrema relevância, porém, é praticável em escolas marginalizadas em que faltam recursos ou em culturas que priorizam a educação como um “treinamento” para um ser produtivo em uma cadeia capitalista? Segundo Cardoso e Lara (2009, p. 1324):

(...) o capital criou condições materiais para acrescentar à escola funções complementares, quais sejam:
a) controle dos níveis de desemprego, pela extensão do tempo de escolarização que prolonga a permanência do jovem na escola;
b) liberação da mulher para o mercado de trabalho, criando creches e escolas para seus filhos;
c) serviço de refeitório para sua clientela – assegurar alimentação aos escolares tornou-se objetivo vital da escola pública contemporânea;
d) oferta de serviços gratuitos como assistência médico-odontológica, distribuição de uniformes e de material didático;
e) local de lazer e convivência social para crianças e jovens

Tendo em vista a existência de tais estruturas educacionais, como podemos identificar os quatro estágios propostos por Piaget e aplicá-los nas escolas?

O Desenvolvimento Cognitivo Segundo Piaget

Piaget identifica quatro estágios principais no desenvolvimento da inteligência:

  • Estágio sensório-motor (0 a 2 anos): o conhecimento é construído por meio da ação direta sobre os objetos. A criança aprende explorando o mundo com o corpo, desenvolvendo a noção de permanência do objeto e inícios da causalidade. Piaget observa que “a permanência do objeto não é dada desde o nascimento, mas construída progressivamente ao longo das ações da criança” (Piaget, 1975, p. 10).
  • Estágio pré-operatório (2 a 7 anos): é marcado pelo uso da linguagem e do pensamento simbólico. A criança apresenta egocentrismo cognitivo e dificuldade de considerar pontos de vista diferentes do seu. Segundo Piaget (1975, p. 33), “a criança neste estágio crê que todos veem o mundo como ela vê, o que limita sua compreensão das relações sociais e espaciais.”
  • Estágio das operações concretas (7 a 11 anos): ocorre a aquisição de operações lógicas aplicadas a situações concretas. A criança já compreende reversibilidade, conservação e classificações lógicas.
  • Estágio das operações formais (a partir de 11-12 anos): caracteriza-se pela capacidade de abstração e formulação de hipóteses, permitindo o raciocínio científico. Como pontua Piaget (1975, p. 97): “O adolescente é capaz de pensar sobre hipóteses e deduções lógicas, o que lhe permite superar o pensamento concreto.”

Tais estágios não são estanques, mas sim um processo contínuo de reorganização mental, em que cada nova aquisição se baseia nas estruturas anteriores.

Como sociedade, que tem participação ativa na formação do indivíduo, devemos nos perguntar: como a teoria pode ser prática? Como podemos olhar atentamente para estes estágios e identificar quando há uma diferença e se atentar ao indivíduo que não sinalizará que existe um problema? E também, como o todo (cultura, estrutura social e educação) impactam no desenvolvimento de cada estágio?

Conclusão

Ao considerar o conhecimento como um processo construído em constante interação entre sujeito e objeto, a teoria de Jean Piaget continua sendo uma das principais referências para o entendimento do desenvolvimento cognitivo. Sua proposta de estágios evolutivos, embora amplamente debatida e complementada por outros autores, permanece essencial para a reflexão sobre práticas pedagógicas.

Reconhecer a criança como sujeito ativo de sua aprendizagem exige um olhar atento, ético e acolhedor por parte dos educadores. Trata-se de romper com a lógica da mera transmissão de conteúdos para promover ambientes de descoberta, escuta e desenvolvimento integral. Compreender a infância a partir da psicologia do desenvolvimento é também um exercício de humanização do processo educativo.

A obra de Piaget, nesse sentido, nos convida a pensar o conhecimento não como ponto de chegada, mas como caminho que se constrói no diálogo com o outro, com o mundo e com a própria história de quem aprende.

Reflexões e Problematizações

Compreender o desenvolvimento cognitivo a partir da epistemologia genética é reconhecer a criança como sujeito ativo na construção de seu conhecimento. Longe de ser um ser inacabado à espera de ser preenchido, ela é pensante, questionadora, e possui uma lógica própria que precisa ser respeitada.

O olhar piagetiano propõe à educação um desafio e uma possibilidade: criar espaços em que o aprender seja fruto da descoberta, da experiência e do diálogo com o mundo.

Assim, reafirma-se a importância de se pensar em práticas pedagógicas que acolham o desenvolvimento em sua singularidade, valorizando o tempo da criança e reconhecendo a complexidade de sua formação cognitiva.

Porém, a sociedade deve-se atentar ao fato de que o meio impacta o desenvolvimento, não podendo universalizar teorias e práticas. Portanto, o maior desafio na educação é em como aplicar teorias, como a de Piaget, sem enrijecer o olhar, não transformando seres humanos em cópias uns dos outros ao não considerar a individualidade e singularidade.

BIBLIOGRAFIA

PIAGET, Jean. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

XAVIER, Silva Alessandra, NUNES, Ana Lima Belém Ignez. Psicologia do Desenvolvimento. Universidade Aberta do Brasil. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/431892/2/Livro_Psicologia%20do%20Desenvolvimento.pdf. Acesso em: 01 abr. 2025.

SANCHIS, Isabelle de Paiva; MAHFOUD, Miguel. Interação e construção: o sujeito e o conhecimento no construtivismo de Piaget. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro , v. 12, p. 165-177, nov. 2007 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212007000300016&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 abr. 2025.

ALMEIDA, A. V. DE .; FALCÃO, J. T. DA R.. Piaget e as teorias da evolução orgânica. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 21, n. 3, p. 525–532, 2008.

CAFFAGNI, C. W. DO A.. Qual a função social da escola? Reflexões de nuances sociais e políticas a respeito da instituição escolar. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 32, n. 122, p. e0244250, jan. 2024.

Artigo reorganizado para mídia online com a finalidade de conforto de leitura, sem apagar a estrutura textual e linguagem original.

Originalmente escrito para entrega à Ma. Profª. Mariana P. Gentilli para fins de pontuação na matéria de Desenvolvimento Humano I.

Conheça a Ariane através do seu Instagram @arianesalomao.psicanalista

25 Mai 2025

O Sujeito Construtor do Conhecimento: Jean Piaget e o Desenvolvimento Cognitivo

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Psicologia Desenvolvimento Humano Jean Piaget

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